O Governo português, que se cala quando deve falar e fala quando deve estar calado, destacou hoje o sucesso de Angola na intermediação do conflito entre a República Democrática do Congo e o Ruanda, considerando que esta intervenção tem travado um maior agravamento das tensões.
O secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação de Portugal, Francisco André, em entrevista à agência Lusa, em Luanda (fica sempre bem não cuspir no prato do anfitrião) diz que “Angola é, neste momento, um actor respeitado a nível regional e a nível global, tem exercido um papel preponderante na estabilização pacífica no continente. O papel que tem desempenhado na região dos Grandes Lagos deve ser destacado e elogiado”.
O governante português está na capital angolana para participar na 10.ª Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da Organização dos Estados da África, Caraíbas e Pacífico (OEACP), em que Portugal foi convidado a participar.
“É com grande satisfação que aceitámos o convite para participar e assistir às discussões e contactar os vários Estados que vão participar”, afirmou Francisco André, considerando que a cimeira é um bom exemplo do papel que Angola tem hoje no plano internacional. Tem razão. A ementa é de elevada categoria e os 20 milhões de pobres angolanos, que se alimentam nas lixeiras, não aparecem para ofuscar a bajulação.
Francisco André salientou também a relevância de Angola como estabilizador, a nível político-diplomático, na República Centro-Africana. Esqueceu-se, o que é lamentável, de salientar o papel do MPLA (que é, há 47 anos, dono de Angola) na estabilização do Partido Socialista (de quem é irmão) e do próprio reino lusitano situado a Norte, embora cada vez mais a sul, de Marrocos.
O governante socialista sublinhou que a cimeira, em que Angola vai assumir a presidência da organização que reúne 79 países, é também um reconhecimento da capacidade de liderança que o MPLA exerce neste momento.
Angola tem vestido a indumentária de mediador do conflito entre a República Democrática do Congo e o Ruanda, devido aos ataques do movimento rebelde M23, que Kinshasa diz ser apoiado pelos ruandeses, no leste da RD Congo. João Lourenço foi, aliás, recentemente galardoado por ter conseguido a paz (que não existe) entre estes dois países.
Em 23 de Novembro, o Presidente João Lourenço, organizou uma cimeira em Luanda onde recebeu os responsáveis dos dois países, bem como representantes de outros países e organizações africanas, tendo sido alcançado um acordo para um cessar-fogo que, no entanto, não está a ser cumprido pelos rebeldes, acusados de estar a massacrar civis.
Para Francisco André, não se trata de um fracasso. Pelo contrário, “é assinalável, o sucesso que Angola tem imprimido a essas negociações”, já que devido à intervenção de Angola enquanto mediador tem-se evitado um resvalar do conflito. O fracasso foi, de facto, total. No entanto, o Governo português fala de sucesso. É obra! Os decibéis bajuladores estão em alta. Chato é que, ao contrário do que Partido Socialista pensa, não somos todos matumbos nem bajuladores.
“É um processo difícil, bastante complexo, mas onde o papel de Angola tem sido bastante evidenciado. Se não fosse o papel de mediador, de estabilizador político diplomático de Angola, o conflito estaria em momentos mais difíceis”, observou. A tese assemelha-se à daquele líder militar que foi comunicar (à família) a morte de um dos seus soldados. E explicou: Ele foi atingido com cinco tiros, mas felizmente só o último foi… fatal!
“Acho que o papel que Angola tem desempenhado tem sido bastante importante e deve ser reconhecido o esforço das autoridades angolanas, da parte do ministro das Relações Exteriores e do Presidente da República, para estabilizar e pacificar o conflito entre os dois países”, acrescentou o secretário de Estado. Manifestamente não sabe o que diz e, ao tudo indica, não diz o que (eventualmente) sabe.
Portugal, por seu lado, vai aproveitar a cimeira para reforçar laços bilaterais com muitos dos países que fazem parte da organização e “continuar a construir pontes”, segundo o mesmo responsável, salientando que Portugal tem trazido sempre um valor acrescentado a nível do respeito pelos direitos, liberdades e garantias e do apelo à paz “num momento internacional complexo” devido à guerra na Europa causada pela invasão da Ucrânia por parte da Rússia, condenada pelo Estado português.
Francisco André manteve vários encontros bilaterais e reuniu-se com o ministro de Estado e chefe da Casa Civil do Presidente da República, Adão de Almeida, mas o tema dos direitos humanos, cujo dia internacional se celebra no sábado, não foi abordado. Não foi nem será. Aliás, não se pode falar de algo que não existe em Angola – Direitos Humanos.
“Essas questões não foram abordadas, Angola tem instituições fortes, bastante consolidadas, é um Estado de direito e tem sabido gerir o desenvolvimento de forma muito capaz e num esforço que nós temos vindo a apoiar”, disse à Lusa, escusando imiscuir-se em “temas da vida política angolana”.
Depois, certamente que Francisco André foi almoçar com os anfitriões do MPLA, comendo qualquer coisa leve, do tipo trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas e umas garrafas de Château-Grillet 2005…
Folha 8 com Lusa